Blog pessoal da Bru desde 2012. Considere que escrevi alguns posts no auge da minha adolescência.
27 anos. Capricorniana. Um cargo publico e passando por uma transição de carreira para cartomante e arteterapeuta junguiana. Umbandista, artista, cartomante, atriz e professora de teatro. Compartilhando desde os 15 anos minhas experiências em forma de textos, fotos e vídeos.
Esse post serve como registro e pesquisa para que eu compreenda meus próprios processos de criação. A proposta foi feita pela Daniela Flor, professora de Teatro Físico da Escola Nacional de Teatro, estudamos durante 4 meses Etienne Decroux, dinamoritmus, planos, apoios, segmentação e lemos O Ator Invisível do Yoshi Oida, deveríamos criar uma cena a partir das frases "Acordei, me olhei no espelho e vi os olhos de uma pessoa morta" ou "O relógio marca o tempo mas...".
Assim que a professora mencionou as frases em aula, em minha mente veio o filme Pequenas Margaridas, que a tempo estou querendo criar algo em cima. (Minha mente, recentemente, criou o costume de criar imagens instantaneamente quando recebo uma provocação).
Especificamente veio a cena onde as personagens estão no quarto, com o telefone, ouvindo ligações e pesquisando números. Também veio a sensação de atrevimento, inocência misturada com a vontade de destruir, insaciadas, ansiedade, palavras que me remetem as personagens. Já me veio a ideia de criar uma cena movimentando os pés, no plano baixo e com a coluna de apoio, como no filme e para trabalhar outras partes do corpo, pois tenho a tendência de usar as mãos. Pensei também criar um fundo com diversas páginas de livros e o uso de um vestido
A ideia se moldou e o que ficou visível foi: telefone + iniciar do plano baixo + adjetivos do filme + vestido (não o ideal, mas um vestido)
Por fim, tive um hiato. Passei uma semana e meia só no plano das ideias e sem tempo ou coragem de criar as movimentações e pensar em como inserir a frase. Sempre trabalhava a mente, mas nunca fazia. Já tinha uma música que remetia a cena "Heard Somebody Whistle" do Jay-Jay, pois ele me trazia essa ansiedade, distração e atrevimento das personagens e era a sensação que eu queria passar.
Os dias foram ficando mais apertados, surgiram reuniões da escola, treinamentos e muita demanda. A junção da frase e a ideia de ter uma cena mostrando a motivação para um crime (frase: olhei no espelho e vi os olhos de uma pessoa morta) se formou, eu já tinha a dramaturgia pronta em mente, já sabia que queria francês no meio (eu estava ouvindo músicas francesas durante a semana, inclusive a do Jay-Jay estava na mesma playlist) e seria parte da ligação, eu sei francês? Não rsrs. Prometi a mim mesma que reservaria a sexta-feira que antecedia a aula para me dedicar exclusivamente para a criação corporal, pois, toda a ideia eu já tinha montado em minha mente.
Na sexta-feira, depois de dar aula, cancelei minha consulta com a psicóloga e fui em busca do meu telefone. Eu já tinha feito algumas pesquisas, mas o preço era um absurdo, telefone velho é telefone vintage, retrô, né mores? Meu orçamento não suportava. Mas felizmente, em uma loja de ferramentas novas na Marechal Deodoro, SBC, eles tinham vários tipos de telefones antigos funcionando e por um valor MUUUUUITO mais em conta que da internet, tentei negociar e acabei comprando por 99,00.
Cheguei em casa e percebi que, ou eu focava em criar o cenário (a ideia de pegar um pedaço de papelão enorme e colocar as folhas de livro etc) e figurino (não tinha o vestido que queria), OU eu fazia o mais importante: trabalhava o corpo. Lembrei do que eu normalmente falo para meus alunos e aprendi com o Diogo Granato na ELT (lembram?):o que eu tenho AGORA? Use isso. Não entenda a regra como limitadora e sim como possibilidades de expansão.
E foi o que fiz.
Peguei tudo o que tinha pensado: telefone, música, espelho, carta, um vestido que já tinha em casa e nunca tinha usado e comecei a experimentar. De inicio tentei ir pelo mental, como eu imaginava o movimento e então, tentava fazer. Minha coluna no chão, pés para cima mas nada saia, além da tradução da música não colaborar com a ideia da cena e não me proporcionar o arco dramático que eu queria.
Parei tudo.
Lembrei da Lindsey Stirling e todas as músicas dela que eu ouvia na faculdade e infelizmente, nunca consegui incluir nas cenas. Entrei no youtube, pesquisei o nome dela e coloquei uma música, de forma muito intuitiva, pensei em ouvir as músicas e improvisar os movimentos para ver qual música trazia mais a atmosfera desejada, tudo de olhos fechados. Me tocou a "Dance of the Sugar Plum Fairy", ainda precisava organizar os movimentos, mas consegui fazer a história acontecer no meu corpo.
Ao ouvir a música, eu já sabia onde eu queria cada subtexto, editei o áudio e adicionei uma ligação em francês. O áudio era bem aleatório, um diálogo entre uma secretária e alguém para a prática da audição de um curso de francês, mas, como eu não entendia nada, minha imaginação permitia eu usar como um gramelô e tinha o efeito perfeito de telefone, um homem e uma mulher, o Yin e Yang, a dualidade.
Organizei os pontos de mudanças de cena, e fui para a garagem, onde tinha um espaço maior, para refinar e ensaiar.
Fiz em média umas 30 repetições, sem parar para ganhar ritmo, e a cada recomeço eu ia ajustando ou adicionando alguma coisa. Eu usei todos os objetos na cena: o vestido, telefone, o celular, caixinha de som, pisca-pisca no cenário, duas taças, um estojo de maquiagem com espelho, um potinho com bicarbonato para ser o veneno, um envelope com uma carta dentro. Tudo. Repeti muitas vezes. O vestido estava caindo e coloquei fitas. Foram muitas modificações, muitas incertezas (falo depois), mas, era o que eu tinha criado, uma criação totalmente minha e sem ajuda de um diretor (minha terapeuta sabe a dificuldade, insegurança e medo que eu tenho de criar algo só). Durante as repetições, escolhi os dinamoritmos de acordo com o que eu queria comunicar em cada movimento, tentei trabalhar em alguns momentos a segmentação (mas ela acabou ficando de forma mais espontânea do que marcada).
No dia descobri que não podiam falas, não podiam muitos objetos, o pisca-pisca como cenário não alcançou o palco e na única vez que consegui ensaiar, desisti de tudo. E o verbo "desistir" não tem uma conotação negativa, foi um aceitar e ver o que eu poderia fazer com essa nova realidade. Claro, deu vontade de sair correndo, mas era o que eu tinha e correr não podia mais.
Talvez não tenha ficado nítido para o público alguns objetos, mas eu não tive dificuldades de cria-los com meu corpo, pois tinha ensaiado muitas vezes com eles, de forma consciente, sentindo a textura, sentindo meu corpo em contato com eles, e na hora de fazer sem, eu pude sentir a textura da carta, o botão para abrir o espelho, a textura da esponjinha de maquiagem, a taça etc. Doido? Sim. Mas eu senti e espero ter passado tudo isso para o público.
Sabe o melhor? Eu me divertia a cada repetição no ensaio, eu me diverti na apresentação (apesar de estar muito nervosa), foi divertido fazer. Eu sentia falta de me divertir fazendo teatro, sem a obrigação de estar muito bom, agradar um diretor, fazer relatórios, vender a pela etc. Foi, simplesmente, divertido criar e estar em cena. Pela primeira vez em muito tempo, eu acreditei em tudo o que eu estava fazendo. Era a personagem ali, mas a Bruna estava debaixo da máscara garantindo o funcionamento de tudo.
Durante todo o processo muita movimentação interna aconteceu, tive medo de estar dando uma condução muito diferente do que talvez a professora esperasse, a frase é super poética, as vezes eu mesma me olho no espelho e me vejo morta no dia a dia, e se eu tivesse indo para um caminho contrário do que ela esperava? Mas eu entendi, não era para a professora, era um exercício para mim e eu era a pessoa que deveria estar feliz com minha criação, claro, pensando em tudo o que aprendemos. Eu como professora, não me importo com a temática da produção dos alunos e sim em como ele aplicou tudo o que ensinei para comunicar uma ideia. Me apeguei a isso.
Quando vi todos os meus colegas de preto, sem cenário, sem figurino etc, meu coração disparou, a insegurança voltou e pensei ter entendido tudo errado, mas, agora era a hora do arquétipo do guerreiro: assumir com verdade tudo o que criei. Abraços ao Gil, que também levou figurino etc, ver ele com figurino, aliviou meu coração.
Também percebi o quanto os treinos, as aulas de dança e correr fazem falta, foram 3 minutos dançando e eu fiquei muito ofegante, coisa que no mês anterior não aconteceria. Preciso voltar a treinar, independente da aparência, faz parte da vida do ator.
Ouvir que minha apresentação era "interessante" para vários colegas, também foi algo inesperado e que movimentou internamente. Foram três anos na faculdade de artes cênicas e as pessoas não demonstravam interesse em considerar minhas ideias, minhas cenas, mesmo que elogiadas depois para mim, não eram escolhidas para analises. Perceber essa mudança, como eu me olho diferente e como isso reverberou para os outros, foi estranho. Tive vontade de enfiar minha cabeça no cimento ao ouvir meu nome e sair correndo ao saber que teria que ouvir pessoas falando sobre o meu trabalho, não consegui ouvir o feedback da professora e nem de colegas, eu tinha pós-graduação na semana seguinte, peguei algumas informações dos colegas e essas foram as coisas que chamaram a atenção deles:
Técnicas usadas de forma natural;
Todos os elementos usados em cena foram necessários e usados;
Presença;
O figurino poderia ter sido melhor escolhido ou trabalhado, pois, em determinado momento a alça caiu. Mas, mesmo assim, para arruma-lo, eu não saí do personagem ou quebrei a cena.
Esses foram os comentários da professora para todas as apresentações:
Necessário pensar melhor na utilização das técnicas;
Faltou personagem;
É preciso sair do óbvio;
Começar e terminar em estados diferentes (arco dramático);
Utilizar mais o centro do corpo, usamos muito as periferias.
Foi glorioso ver as apresentações dos meus colegas também, mas será preciso um novo post para comentar sobre.
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