Eu sei… não está fácil.
É um misto de "eu amo dar aulas" com "eu não aguento mais". E os motivos para esse não aguentar são muitos: sentimento de impotência, insuficiência, ter que estar o tempo todo armado e preparado para justificar cada minuto, cada palavra, cada ação tomada em situações que você jamais imaginou enfrentar.
É lidar com violência, desrespeito, mediação de conflitos, mediação de agressão, ser agredido enquanto media, ouvir críticas da gestão e dos familiares por não ter feito A, e depois receber críticas por ter feito A. É rezar para que você consiga simplesmente fazer seu trabalho e que nada de ruim aconteça. É se sentir péssimo por ter ouvido uma crítica que nem deveria ter chegado até você.
É descobrir que você foi contratado para ser professor de Língua Portuguesa e, de brinde, ganhou as aulas de Projeto de Vida e Empreendedorismo. É ouvir ameaças em reuniões de pais ou na saída dos alunos. É ter que explicar o porquê da sua disciplina ser importante. É ter medo de perder o controle da sala, mas também medo de encontrar uma sala apática. É viver o medo de errar. É a comparação. São as planilhas. As formações. As horas a mais que você gasta antes, durante e depois da aula.
É ter medo de, além de não ser uma boa professora, também não conseguir ser enfermeira, médica, nutricionista, segurança, babá, psicóloga e todas as outras profissões que a gente, na prática, acaba sendo — mas que não estudamos para isso.
E dependendo da escola, é aguentar tudo isso com um sorriso no rosto, fingindo que está tudo bem. É segurar o peso do mundo enquanto recebe seus alunos de braços abertos, na esperança de um dia melhor.
Não está fácil.
E vou te dizer: se eu estivesse começando a lecionar agora, acho que estaria em completo choque e pânico.
Quando comecei a dar aula, anos atrás, principalmente na Educação Básica, eu tinha medo até de respirar errado. Se não fosse a terapia, eu não teria completado quase 10 anos de docência. Por isso, reuni aqui algumas coisas que fui descobrindo ao longo do caminho e que me ajudaram a não me perder de mim:
1. Professor, crie uma rotina de trabalho (HL ou horário de planejamento) organizada
Pegue seus horários de planejamento e organize o que vai fazer com eles. Se possível, converse com a gestão e combine que, caso precisem de algo específico, avisem com antecedência. Ou simplesmente reserve um dos seus horários semanais para lidar com os imprevistos.
Vou dar um exemplo com minha antiga realidade numa prefeitura em que eu tinha 3 horas de planejamento distribuídas na semana:
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Primeira hora: fazia uma lista de tudo o que precisava naquela semana e já adiantava o planejamento da próxima semana ou quinzena. Com base no andamento das aulas atuais e no planejamento anual, eu já pensava nas próximas. Também listava materiais que precisaria produzir ou separar.
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Segunda hora: deixava livre para reuniões com gestão, pais, correção de cadernos, montagem de provas... era meu horário “móvel”.
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Terceira hora: dedicada à papelada burocrática — relatórios, semanários e planilhas que precisavam ser entregues naquela semana.
Além disso, quando possível, tentava criar momentos na aula com atividades relacionadas ao conteúdo, mas que os alunos pudessem fazer com mais autonomia. Enquanto eles trabalhavam, eu aproveitava para corrigir atividades, conferir cadernos, etc.
Mas atenção: sei que isso nem sempre é viável. Já estive em turmas caóticas, em escolas que proibiam o professor de sentar, ou que exigiam vigilância constante por conta de casos de roubo, bullying e agressividade. Se for o seu caso, respeite sua realidade. Mas se der pra encaixar esses momentos, faça por você.
2. Planeje momentos autônomos com os alunos
Infelizmente, o trabalho em casa é uma realidade pra maioria. Algumas prefeituras e escolas pagam por esse tempo (normalmente pagam duas horas), outras não. E mesmo assim, a gente acaba fazendo.
Se for o seu caso, estabeleça um dia e um horário fixo e seja fiel a ele.
Quando eu dava aula de Arte na Prefeitura de Santo André, fazia isso toda segunda-feira e quinta-feira das 13h às 14h, sempre focada em preparar o material para semana seguinte. Ter esse horário me ajudava a manter o mínimo de sanidade (e organização). Eu utilizava o que planejei fazer na semana seguinte e usava esse horário para preparar o material: atividades no canva, cortar papel, preparar coisinhas para os alunos, agendar e-mails para a secretaria e gestão, o foco era viabilizar o planejamento da semana/quinzena seguinte. Caso chegasse quinta-feira e eu não conseguisse, tentava finalizar durante a aula de uma turma mais calma. Se eu não conseguisse preparar o material para a tempo para a próxima semana, eu sinto muito para mim mesma: ia do jeito que fosse, improvisava, pedia para os próprios alunos terminarem, copiarem etc, maaaas não fazia mais do que essas duas horas e ponto.
3. Defina dias e horários para o trabalho em casa
Se você tiver horas pagas para isso, use com consciência. Se não tiver, repense se realmente vale fazer além do que já é muito. Quando necessário, estabeleça um horário fixo, e cumpra-o como um compromisso com você mesmo.
Quando eu era professora de arte na prefeitura de Santo André, eu definia que todas as segundas-feiras e quintas-feiras das 13h00 às 14h00 seriam horários para fazer coisas da escola. Eu olhava o planejamento que fiz na primeira hora de planejamento na escola, via o que eu podia adiatnar em casa: design das atividades no canva, deixar as mensagens escritas no whatsapp só para serem encaminhadas, agendava e-mails (sim, depois que aprendi isso, a vida facilitou demais. Já agendava para no dia seguinte ás 8horas enviar um e-mail com as atividades a serem impressas para a secretaria da escola e outras coisas), cortava papeis, experimentava materialidades etc, o objetivo era que na quinta eu já deixasse a sacola de materiais necessários para a semana seguinte pronta e na sexta eu levava para a escola e guardava no ármario para a segunda-feira.
Porém, se eu não conseguisse fazer tudo até quinta-feira às 14h, eu tentava fazer na sexta na escola mesmo e se não conseguisse, a vida é assim: não deu tempo, improviso algo e depois faço o que planejei na semana seguinte. Mas, passei a respeitar essas duas horas pagas e não fazia mais nada. Era como se eu não fosse mais professora o restante do meu dia.
4. Aprenda a dizer não (sem culpa) na escola
O livro Essencialismo me deu vários tapas na cara — no bom sentido. Me ajudou a tomar decisões difíceis, do tipo:
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“Infelizmente, tenho outras necessidades urgentes com a minha turma agora.”
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“Me manda as infos, que depois vejo se se encaixa no meu planejamento.”
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“Apesar de ser algo que me interessa muito, estou atolada e sei que não conseguiria entregar o meu melhor.”
Aprendi também a anotar ideias e guardar pra depois. Muita coisa que idealizamos é mais expectativa nossa do que necessidade real do aluno. Então defina, desde o início, quais são os objetivos da sua turma, suas aulas e seu ano, e use isso como base para tomar decisões.
Tem vezes que a gente se empolga com um projeto incrível de matemática e raciocínio lógico... mas a turma ainda precisa desesperadamente de reforço em alfabetização. É sobre prioridade. E sobre entender que dizer “não” é um ato de cuidado consigo mesma.
5. Você não vai agradar a todos e está tudo bem
Esse é um assunto pra terapia.
A necessidade de ser o/a professor(a) favorito(a) pode frustrar, adoecer e até gerar competição dentro da escola. Se uma cara feia de aluno te desmonta ou se alguém diz “eu não gosto de você”, respira.
Sua função nem sempre vai ser gerar prazer ou aceitação — e tudo bem. Você é professor, não animador de auditório.
Claro, se a falta de respeito ultrapassar os limites, leve isso pra gestão e pense em estratégias. Já precisei ter conversas diretas com alunas do tipo:
"Você não gosta de mim e tudo bem, mas o mínimo aqui é respeito. Eu sou a professora, você é a aluna. Cada um tem um papel. E falta de respeito não será tolerada."
Nem sempre é fácil. E sim, muitas dessas situações foram tema da minha terapia por anos. Mas faz parte.
6. Faça terapia
Sim, é essencial. É na terapia que olhamos pra nossas dores, medos, conquistas, gatilhos e padrões. Muitas das angústias que sentimos na escola não são só da escola — são nossas.
Fazer terapia deixou o ato de dar aula um pouco mais leve. Ainda sonho em um dia poder dar aula só por prazer, mas hoje, com autoconhecimento e uma rotina mais tranquila, estar em sala já não pesa tanto quanto antes.
7. Grupo de arteterapia para professores
Aliás, se você curte arte e está precisando de um respiro, estou com um grupo de arteterapia para professores aberto!
É focado em autoconhecimento e autocuidado pra quem entende na pele o que vivemos em sala de aula. Os encontros são quinzenais, às segundas-feiras, às 20h20, com duração de 2 horas. Envio a lista de materiais com pelo menos 3 dias de antecedência, pra você se organizar com calma. Não é curso, é grupo terapêutico mesmo! Esse grupo tem inicio em Maio e vai até Novembro.
Quer participar? É só acessar este link de inscrição e escolher o valor da mensalidade possível pra você. Lá na Hotmart você encontra o link do grupo de WhatsApp também.
8. Você é muito mais do que um professor
A gente se envolve tanto com o trabalho que acaba esquecendo que ser professor é só uma parte de quem somos.
Somos filhos, pais, irmãos, vizinhos, sonhadores, gente que ama, que sente, que sofre e que vive. Quando você se define apenas pela sua profissão, e ela vai mal, parece que tudo em você vai mal também.
Mas não é assim. Continue alimentando seus hobbies, encontrando seus amigos, cuidando da sua saúde mental, emocional e física. Você não veio ao mundo com um manual e muito menos é um robo e tudo bem ter falhas.
Se acolhe. Você está dando o seu melhor.
Se você chegou até aqui, é porque sente na pele o que eu escrevi. Talvez você esteja passando exatamente por isso agora, ou já passou e tá tentando não deixar que tudo isso te engula de novo. A verdade é que ser professor nunca foi fácil, mas hoje, com a sobrecarga emocional, as exigências fora da curva e o pouco reconhecimento, tem sido um baita desafio não se perder no meio do caminho.
Mas você não está sozinho. Não mesmo.
Organizar uma rotina realista, aprender a dizer "não", fazer terapia, lembrar que você é mais do que seu crachá... tudo isso ajuda. Pode não resolver tudo de uma vez, mas já é um respiro. Um “momento respira”, mesmo. E se esse texto tocou alguma parte aí dentro, se algo fez sentido, salva ele, compartilha com um colega e, principalmente, acolha você.
Sua saúde mental importa. Sua vida fora da escola importa. E você merece continuar dando aula com brilho nos olhos, mas também merece fechar o notebook e viver.
Estamos juntos nessa jornada. 💛
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